Tuesday, May 10, 2016

Leitura de rótulos ou reconhecimento de marcas: quando a avaliação é mais quantitativa do que qualitativa.


Antes de tudo, uma breve contextualização.

Ian, 3 anos e meio, estudante da educação infantil. Quando não está na escola, está espalhado pelo chão de casa montando castelos, se aventurando com super-heróis, jogando bola ou andando de bicicleta. Adora livros e, agora, aprendendo o alfabeto, sai por aí soletrando tudo o que vê. Se opta por televisão, vai atrás de seus desenhos favoritos que são Patrulha Canina e a Casa do Mickey Mouse – ambos encontrados no Netflix. Por essa razão, Ian, praticamente, não assiste canais de TV por assinatura ou aberta.

Contexto exposto, vamos lá...

Na semana passada recebi o tão esperado “boletim bimestral” do rapaz, com um senhor pente fino sobre seu desenvolvimento ao longo do referido período no Infantil III. Num breve encontro com a professora regente, passei os olhos rapidamente pelos temas que englobavam formação pessoal, social, emocional, psicomotricidade, autonomia, etc. Tudo indo até muito bem e em concordância com o que já era esperado para o Ian que conhecemos. Eis que na seção “Linguagem”, dou de cara com o seguinte item “Realiza Leitura de Rótulos” e o conceito me deixa curiosa: “ED” (em desenvolvimento).

Para tudo!!!

Ian tem três anos. Isso. TRÊS. Como é que já é esperado que ele faça a LEITURA de qualquer coisa? Que ele soletre, reconheça as vogais e consoantes, que até identifique seu próprio nome e os dos colegas na ficha atrás das cadeirinhas, tudo bem. Mas... LER??? De fato??? Não fazia o menor sentido.

Fui conversar com a “Tia” que não me deu lá uma justificativa plausível do que viria a ser a tal “leitura de rótulos”, mas que fez questão de me informar que Ian sabia, sim, o que era um creme dental. (Oi?!)

Não satisfeita com a tentativa de elucidação, fui ter com a coordenadora que me explicou que “leitura de rótulos” (que eu achava que era um gênero textual, diga-se de passagem) nada mais era do que a habilidade em reconhecer aquele conjunto visual de uma marca – as letras, as cores, o formato.

Hum... Até aí, tudo bem. É experiência de mundo, exposição, variação, exploração das possibilidades. Isso é importante para as crianças. Daí, ela me deu uma série de exemplos, para explicar como o processo acontecia em classe:

- a professora mostra um rótulo de Nescau e as crianças devem reconhecer que aquela imagem, com aquele conjunto de letras e aquelas cores, representa aquele achocolatado específico;

- a professora apresenta o rótulo de um creme dental e trabalha as letras e sons daquela palavra e fala sobre o produto;

E por aí vai... Ela ficou lá me listando exemplos e eu pensando com os meus botões: onde estava o “ED”?

Foi aí que dois exemplos me deixaram invocada:

Exemplo 01: A fralda descartável!!!
- a professora mostra o rótulo de Pampers e logo eles reconhecem que é Pampers, que é de fralda descartável. Afinal, as crianças nessa idade assistem muita televisão e sabem distinguir Pampers de Turma da Mônica facilmente.

Exemplo 02: O creme dental... (De novo!)
- a professora mostra vários rótulos e as crianças têm de identificar se aquela pasta é Kolynos, Colgate ou Even. Elas não têm de ler, LER. Elas têm de reconhecer o rótulo pelo conjunto completo.

Fui pra casa pensando nesses dois exemplos e em quão injusta a avaliação das crianças da turma havia sido.

Recapitulando, Ian praticamente não assiste propagandas, pois o Netflix supre as pouquíssimas horas que ele passa em frente à telinha, portanto, estará sempre aquém no que se refere a marcas em propagandas de TV.

E, sobre o creme dental?

Citando o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, do MEC, “no que se refere à avaliação formativa, deve-se ter em conta que não se trata de avaliar a criança, mas sim as situações de aprendizagem que foram oferecidas. Isso significa dizer que a expectativa em relação à aprendizagem da criança deve estar sempre vinculada às oportunidades e experiências que foram oferecidas a ela. Assim, pode-se esperar, por exemplo, que a criança identifique seus colegas pelo nome apenas se foi dado a ela oportunidade para que pudesse conhecer o nome de todos e pudesse perceber que isso, além de ser algo importante e valorizado, tem uma função real.
(http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf: acesso em 09/05/16)

Se aqui em casa, ele usa Tandy e os adultos utilizam Colgate, como será possível reconhecer Even e Kolynos se estas não oferecem função real em sua vida (tal qual expõe o referencial), além do que fora exposto num cartaz na sala de aula?

Dessa forma, um adulto que não conhece Crest!, por exemplo, seria reprovado, então?

(Ah! Te peguei, né?! Rsrsrsrs!)

Prix. =)


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